domingo, 16 de outubro de 2011
O vermelho sempre incomodou Wilma...
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Hoje, não.
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Adiamento - Fernando Pessoa
quinta-feira, 9 de junho de 2011
mais um sobre a morte (ou, a não-morte)
quinta-feira, 5 de maio de 2011
aleatório e pontual
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Hoje Belazarte nos contou:
sábado, 26 de março de 2011
Wilma, de Cida
O vermelho sempre incomodou Wilma
desde criança era afeita a frutas
verduras e andanças sozinha pelo quintal
Não gostava de carne
comidas picantes
sabores fora da rotina
Demonstração de afagos calorosos
e no máximo permitia um alisado nos cabelos
Todos a acham estranha
aquela menina pacata
quase opaca e despercebida
Até as brincadeiras
eram sussuradas no canto da parede
onde nem as bonecas falavam
Foi pondo-se moça
Sem saber nem se interessar por nada
seu universo era o timão branco
e a fita azul no pescoço
usados em nome de Maria
Um dia o sangue escorreu por suas pernas
e quase enlouqueceu
A menina invisível foi exposta
ao corpo da casa
e a mãe se apressou em costurar paninhos
e a mal explicar
o motivo da mudança
Todos mês era motivos de chacota
das irmãs
e os paninhos lavados em suplício
Por não saber conviver com o vermelho
não tinha coragem de cortar os pulsos
Um dia ousou olhar-se no espelho
e viu-se em peitos
ganhando cor e jeito de mulher
As cólicas passaram
conheceu o modess
e o desejo decenal se instalou
Entre o décimo e o vigésimo dia
Punha-se em calores por entre as pernas
E sabia-se pronta para a presa
Namorou vários homens
Aprendeu a gostar de sexo
E muito depois a gozar
Com a passar do tempo
A vida instalou-se no quarto
E o novo fez morada nos cabides
Aos quarenta anos
Wilma descobriu os dias vermelhos
As noites molhadas
A máquina de lavar para o lençol branco
E que pela manhã o desejo não tem cor
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Às 18h na Boa Vista, o sino da igreja da Imperatriz dobra anunciando o fim do expediente, a cerveja gelada no boteco à beira do esgoto e a última oportunidade de carregar o Passe Fácil.
Às 18h na Boa Vista, transeuntes correm para as paradas lotadas e pagantes correm nas esteiras de academias lotadas.
Às 18h o calor é insuportável na Boa Vista.
Às 18h na Boa Vista, um passante é vítima de um redemoinho de sacolas plásticas de supermercado com embalagens de pipoca.
Às 18h na Boa Vista, uma senhora vai comprar pão na loja de conveniência do posto de gasolina.
Às 18h na Boa Vista, uma mulher perde a bolsa para um cheira cola.
Às 18h na Boa Vista, artistas fazem perfomances desconexas.
Às 18h na Boa Vista, um homem joga uma embalagem de pipoca pela janela de um CDU/Várzea lotado imitando o senhor do banco da frente.
Às 18h na Boa Vista, os circulantes aproveitam o engarrafamento para vender pipoca e água pelas janelas dos ônibus.
Às 18h um passante, correndo para chegar na academia, atravessa a avenida sem perceber o sinal amarelo e é atropelado por um CDU/Várzea lotado. Uma estagiária voltando do Passe Fácil liga para o 192. O trânsito pára. Um cheira cola corre no sentido contrário ao fluxo. Os ônibus andam cinquenta metros o que impede um passageiro de pagar os cinquenta centavos da pipoca. Uma senhora dá o seu dinheiro do troco para um pedinte na calçada. Um performer deita no meio da avenida. Um CDU/Várzea vazio pára no meio da ponte, no final do engarrafamento. Uma mulher sem bolsa (mas bem vestida) pede dinheiro para completar a passagem na parada de ônibus. Um motorista muda a estação de rádio. Uma sacola plástica do bompreço é levada pelo vento ao encontro de uma embalagem de pipoca Veneza que acaba de ser dispensada pelo seu dono. Inicia então, às 18h10, a habitual dança espontânea dos plásticos. Sobem. Descem. Rodopiam. Embalagens de Mentos balançam timidamente, copos e garrafas de Prata do Vale se arrastam pela calçada, e aos poucos vão tomando as ruas. O vento dá o impulso e todos saltam. Transeuntes dispersos cruzam o centro do espetáculo sendo forçados a participar do balé. Plásticos se misturam com as saias das senhoras, com a poeira, com os fios dos cabelos dos performers, com os espirros dos alérgicos, as embalagens de Karintó se enroscam nas pernas descobertas dos adolescentes...
Às 19h, na Boa Vista, das paradas lotadas, trabalhadores, alérgicos, pedintes, bêbados, acidentados e estagiários ouvem o eco dos rádios anunciando o "Voz do Brasil".
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Se você quiser dormir
Eu me despeço
Eu em pedaços
Como um silêncio ao contrário
Enquanto espero
Escrevo uns versos
Depois rasgo
Sou seu fado, sou seu bardo
Se você quiser ouvir
O seu eunuco, o seu soprano
Um seu arauto
Eu sou o sol da sua noite em claro,
Um rádio
Eu sou pelo avesso sua pele
O seu casaco
O seu asfalto
Se você vai sair
Eu chovo
Sobre o seu cabelo pelo seu itinerário
Sou eu o seu paradeiro
Em uns versos que eu escrevo
Depois rasgo
Uns Versos - Adriana Calcanhoto