quinta-feira, 31 de julho de 2008

à volta dele na minha vida

pausa na dramaticidade e um bocado de êxtase no lugar.


"O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite"

segunda-feira, 28 de julho de 2008

o homem de azul - final

Cabelos ao vento, bermuda florida e sapato social: agora eu o percebia.
Tinha uma mala de viagem do lado, mas não parecia ansioso. Ansioso como todo viajante. Ele acabara de destruir toda a minha concepção de viagens...
Seu rosto era sereno; os óculos escondiam um pouco, é verdade. E é verdade também que a bermuda florida e o sapato social muitas vezes me despertaram muito mais atenção.
Mesmo assim pude ver sua serenidade: nostalgia que se tem de tempos inexistentes. Nostalgia que não se explica, apenas se sente. E ficava alí, parado no meio da calçada, fitando o prédio do outro lado da rua. O único prédio da rua. Não só para ele. Sempre fazia menção de ir, não ia. Se balançava, quase numa dança... de um lado a outro... Não era serenidade! Nunca foi. Era, o tempo inteiro, incerteza. E a incerteza o fazia dançar: um passo para a esquerda - taxistas jogando dominó na esquina. Puxa a mala para si; desiste. Retorna ao prédio.
Observa a direita: transeuntes típicos: desinteressados.
Não adiantava! O prédio sempre o atraía, e isso começava a ficar visível até para os mais apressados.
E se ele perdesse o avião, o ônibus, a carona...? O homem de azul não conseguia ser racional um só instante?
Ao mesmo tempo, ele havia perdido tanto tempo de sua vida naquele salão, por quê não uma recompensa?
Ele devia ir. Agora minha intromissão era declarada. Mas também o porteiro do prédio concordava, os taxistas da esquina concordavam - haviam até parado o dominó! Os transeuntes acenavam as cabeças concomitantemente. E a nossa certeza aumentava. Mesmo medíocre a nossa certeza, e mesmo sabendo disso, o homem de azul, cada vez mais, se desesperava.
Ainda o prédio lhe tomava, mas agora o sentimento era outro. Agora era agonia por precisar decidir. Agora era a rua inflando, e ele agora minúsculo. Agora era a certeza alheia fudendo a sua serenidade, e a sua incerteza, e a sua agonia... Agora!


ele saiu puxando a mala até a esquina e pegou o primeiro táxi do ponto - o do taxista que acabara de ganhar uma partida. Acabara de ganhar uma partida
.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

E eu procurava pela casa toda, meu amor, a casa toda e nada.
Aquela arrumação me enlouquecia, assim como o desinteresse dos moradores pela minha causa; minha causa, de tão simples, chegava a ser estúpida.
A minha necessidade gritava: uísque! - não, não, quem gritava isso era meu imediatismo. A necessidade mesmo, essa gritava outra coisa... Mais um grito que as cordas vocais não sentiram. Então - depois de subir e descer aquelas escadas todas em vão - me rendi ao título que eu mesma tinha me concedido:
mulher mais solitária do mundo.
Transitavam: todos de passagem.
Todos, sem nem me olhar, passavam.
Eram impiedosos! Não me fizeram merecedora nem de um encontrão casual de olhares... E eu nem tive tempo de compreender e aceitar. Se ao menos houvesse uísque eu aceitaria melhor. O copo sempre foi o mais fiel dos meus companheiros; eu me afogava nele para não ter que me afogar nos outros.
Eles ainda passavam.
Agora eu já não os quero mais - dizia, convicta, pra mim mesma. Mas assim que um transeunte se aproximava, a esperança, essa maldita que não aprendeu a se conter, voltava a pulsar com toda força.
Percebi todos, fisicamente. Porque nunca estavam a não ser fisicamente. É o mal dos desinteressados...
Não havia razões aparentes para aquilo, me soava mais como punição. Punição de quê? Por quê? Não nasci para ser punida, fiquem sabendo! Não nasci pra isso por não ter estrutura pra isso.
Será que eu fiz algo? Maldisse ou ironizei? Eram muitos, não caberiam todos na minha ruindade.
Ou será que eu ainda não percebi as dimensões montruosas da minha ruindade? Talvez já fosse gritante pros outros, mas não pra mim. Não ainda. É que, pra mim, o meu aglomerado não pode ser visto a olhos nus.
E eu ainda não tinha encontrado as lentes certas.
Mesmo assim, meu amor, tudo isso poderia melhorar com uma dose de uísque.

terça-feira, 15 de julho de 2008

cancerianice aguda

mudanças, por mais ínfimas que sejam, me causam um puta estranhamento.


estranhamento: uma puta irritação!

domingo, 13 de julho de 2008

"a maior flor do mundo"


"As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples.
Porque as crianças, por serem pequenas, sabem poucas palavras e não querem complicá-las"

José Saramago








http://www.youtube.com/watch?v=-KTL94Rl7CI

domingo, 6 de julho de 2008

o maravilhoso exercício da abstração


Pra quê palavras quando se tem espirais?

sábado, 5 de julho de 2008

o homem de azul - primeira parte

Qual a razão para o homem de azul cortar o cabelo numa segunda-feira?
Segundas não são excepcionais; cortar o cabelo, dependendo da pessoa, também não. Lia uma dessas revistas de salão, ótimas para quem não deseja pensar em nada - ideais para salões de beleza.
Não havia mais clientes além de nós.
Esse deve ter sido o motivo da escolha: era vaidoso, mas ninguém precisava saber.
Pagou a conta e foi-se.
Não me deu tempo para observá-lo.
Até aquele momento eu também não queria observá-lo.

[...]

terça-feira, 1 de julho de 2008

revolta cotidiana

O dia inteiro reclamando de dores no estômago, na cabeça, de zumbido no ouvido - nunca do tarja preta que o médico, que já na minha infância era velho, passou para a insônia dela.
Então num determinado momento da noite:

"olha, essa gripe tá péssima! não tô podendo nem mexer em água [...]". Fala enquanto termina de lavar os pratos. "[...] tá péssima, eu tô até falando pelo ouvido!".