segunda-feira, 28 de julho de 2008

o homem de azul - final

Cabelos ao vento, bermuda florida e sapato social: agora eu o percebia.
Tinha uma mala de viagem do lado, mas não parecia ansioso. Ansioso como todo viajante. Ele acabara de destruir toda a minha concepção de viagens...
Seu rosto era sereno; os óculos escondiam um pouco, é verdade. E é verdade também que a bermuda florida e o sapato social muitas vezes me despertaram muito mais atenção.
Mesmo assim pude ver sua serenidade: nostalgia que se tem de tempos inexistentes. Nostalgia que não se explica, apenas se sente. E ficava alí, parado no meio da calçada, fitando o prédio do outro lado da rua. O único prédio da rua. Não só para ele. Sempre fazia menção de ir, não ia. Se balançava, quase numa dança... de um lado a outro... Não era serenidade! Nunca foi. Era, o tempo inteiro, incerteza. E a incerteza o fazia dançar: um passo para a esquerda - taxistas jogando dominó na esquina. Puxa a mala para si; desiste. Retorna ao prédio.
Observa a direita: transeuntes típicos: desinteressados.
Não adiantava! O prédio sempre o atraía, e isso começava a ficar visível até para os mais apressados.
E se ele perdesse o avião, o ônibus, a carona...? O homem de azul não conseguia ser racional um só instante?
Ao mesmo tempo, ele havia perdido tanto tempo de sua vida naquele salão, por quê não uma recompensa?
Ele devia ir. Agora minha intromissão era declarada. Mas também o porteiro do prédio concordava, os taxistas da esquina concordavam - haviam até parado o dominó! Os transeuntes acenavam as cabeças concomitantemente. E a nossa certeza aumentava. Mesmo medíocre a nossa certeza, e mesmo sabendo disso, o homem de azul, cada vez mais, se desesperava.
Ainda o prédio lhe tomava, mas agora o sentimento era outro. Agora era agonia por precisar decidir. Agora era a rua inflando, e ele agora minúsculo. Agora era a certeza alheia fudendo a sua serenidade, e a sua incerteza, e a sua agonia... Agora!


ele saiu puxando a mala até a esquina e pegou o primeiro táxi do ponto - o do taxista que acabara de ganhar uma partida. Acabara de ganhar uma partida
.

3 comentários:

  1. e é o táxi ganhando as ruas e mais malas e homens de azul reaparecendo...

    (as coisas tendem a ser meio cíclicas para mim, mera leitora de azul)

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  2. sendo não menos racional, ele entrou no táxi pro aeroporto e juntou o azul com sua camisa com o azul do...


    (ah, mas isso não foi nada racional)

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  3. evinha,
    muito bem descrita a cena, senhorita!
    tornar-te-ás uma bela roteirista.
    aliás, bela já és!
    ; )
    beijinhos!
    eva

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