domingo, 25 de outubro de 2009

a anti-rosa atômica


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa

[...]


Bomba Atômica - FANTÁSTICO, 1976 - PARTE 1

Bomba Atômica - FANTÁSTICO, 1976 - PARTE 2

Trecho Rosa de Hiroshima - Vinícius de Moraes e Gerson Conrad

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

so happy society!

Aprendi com meu pai a observar as pessoas. Sempre ficávamos olhando e comentando sobre os costumes e as excentricidades das pessoas das mesas do lado. Com os anos fui tomando gosto pelo esporte e comecei a praticar sozinha: às vezes sentava em alguma mesa de bar, shopping ou restaurante e ficava olhando como as pessoas comiam, bebiam, andavam, como as mudanças climáticas afetavam seu cotidiano. Compreendi o conceito do franco-observador criado pelo meu pai, mas o desenvolvi a meu modo.
Nas minhas andanças como observadora comecei a notar melhor os relacionamentos nos meios sociais, ou melhor, o que é preciso fazer para ser aceito. Por exemplo, quando um indivíduo deixa transparecer uma mania estranha, é colocado no patamar de excêntrico, mas quando dois indivíduos fazem o mesmo, são descolados. Parece estúpido e pouco original dizer isso afinal esse é o processo natural da moda. Mas moda aqui não é apenas uma forma de se vestir ou se comportar - moda no sentido de ver o mundo. O exemplo mais forte (na verdade, o que realmente me trouxe a esse texto) pode-se encontrar em um show. A moda agora é assistir o show pela tela do celular, da câmera fotográfica ou sei lá o que já inventaram. As pessoas estão mais preocupadas em guardar os momentos para o futuro do que vivê-los no instante presente. Há um boom de registros feitos para serem divulgados posteriormente (fiquei me perguntando se não queremos na verdade divulgar o quanto somos felizes, afinal se você mostra é porque quer que alguém veja) em sites de relacionamento, no youtube, em blogs, fotologs... Fico pensando que o propósito de ir a um show se perde sendo a idéia inicial transcender a barreira da imagem, e apreciar o momento sem um artefato interligando o espectador e a banda. Mas ao chegar a um show a primeira atitude dessa nova sociedade cheia de facilidades tecnológicas é sacar um artefato de bolso e criar uma nova barreira. Talvez assistir pela tela é uma garantia não só de poder rememorar, mas de "não perder nenhum momento". Quanto mais temos, mais somos incitados a ter... Vivemos em uma sociedade ansiosa por "não perder nenhum momento", e eu fico me perguntando se não perdemos todos os outros que necessitam o mínimo de contemplação.
Tudo isso não passava de uma elucubração para ser levantada com pessoas distintas até assistir Flash Happy Society e finalmente encontrar a devida identificação. Exageros a parte, o curta-metragem de Guto Parente diz, sem nada dizer, como se engendra o comportamento dessa sociedade com tanto poder de consumo, mas quase nenhum discernimento (e disposição) para procurar entender o mundo ao seu redor. Durante um show, o cineasta filma vários momentos onde várias pessoas tiram fotos - o efeito de montagem acontece nos momentos que são disparados os flashs e gradualmente há um crescimento até um ápice, onde a concepção do filmes e as saídas estéticas entram em uma sintonia perfeita, dispensando excessos técnicos que poderiam disvirtuar o conceito do filme. São apenas oito minutos pensados, filmados e editados por um único homem. O que me faz crer que cinema é feito de idéias, sentimento do mundo e observação, não de aparatos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

"Há duas qualidades primordiais, sem as quais uma vida humana decente, para não dizer satisfatória, é impensável: liberdade e segurança. Precisamos de ambas, mas elas nos parecem muito difíceis e, o que é pior, impossível tê-las ao mesmo tempo. Segurança sem liberdade equivale à escravidão, enquanto liberdade sem segurança suficiente significa uma vida arriscada de contínua incerteza; para obter maior segurança, precisamos abrir mão de parte de nossas liberdades, ao passo que o preço de mais liberdade tende a ser uma crescente insegurança. Nenhuma dessas perspectivas é atraente e, assim, a busca por um melhor equilíbrio entre liberdade e segurança faz lembrar mais um pêndulo do que uma linha reta."


Depoimento de Zygmunt Bauman

sábado, 17 de outubro de 2009

No limite da carne que as sensações afloram. Porque a primeira lâmina de proteção é esta, visível, palpável... Depois da derme as lâminas vão se despedaçando aos poucos.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

[...]

Oh my darling, oh my darling,
Oh my darling, Clementine!
Thou art lost and gone forever
Dreadful sorry, Clementine.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

paradoxos da vida

A clareza só veio depois que faltou luz.
"Há lugar para a carne no teu coração, Senhor? Há uns veios fundos e gemidos com o som do UMM? Ehud, sabes como é a palavra intelecto em russo? É UMM. O M prolongado UMMMMMMMM. a carne é que deveria ter o som de UMM, é assim no teu peito, Senhor, o sentir da carne? de lá do escuro venho vindo, teias à minha volta, estou presa a ti, do UMM à carne, um torcido elastiçoso no espaço de nós dois, não te separes nunca, não tentes, é sangue e gosma, é dubiez na aparência mas é cristal de rocha, vívido empedrado, é úmido também, UMM, o intelecto pulsante, a carne remançosa na aparência, se me olhas não vês febricidade mas se me tocas te seguro numas duras babas, tu e eu, um único novelo espiralado, não te separes nunca, não tentes, subo até teus tornozelos, vou te lambendo lassa, aspiro pêlos, cheiros, encontro coxa e sexo, queria te engolir, Ehud, descias em UMM pela minha laringe, UMM pelas minhas tripas, nódulos, lisuras, trituro teus conceitos, teu roxo intelecto, teu olhar para os outros, te engulo Ehud, altanaria, porte, teu compassado, teu não saber sobre mim, teu muito-nada compreender, delizas de UMM pelos tubos das vísceras, teu misturar-se a mim, adentrado desfazido, não és mais Ehud, és Hillé e agora não te temo"


Trecho "A Obscena Senhora D" - Hilda Hilst