quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Tomou todo o café em dois goles, quase sem intervalo de tempo.
Faltava 15 minutos. Ainda passariam os traillers, mas sentia prazer em escolher a poltrona com as luzes acesas.
"Vai assistir filme hoje?", a curiosidade da mulher do balcão o irritava. Fez um gesto quase imperceptível com a cabeça e, sem mais despedidas, partiu. O itinerário era o mesmo: café rápido antes de sair de casa, compra o ingresso, o café do melhor Café do shopping, cinema. Cada minuto cuidadosamente planejado. Já na sala escolheu a poltrona central da última fileira - a vazia. Não tinha pretensão de ser sociável, mas estava usando um vermelho gritante enquanto o resto dos senhores não ousavam mais que tons frios. Observa as laterais - um moço se instala a quatro poltronas de distância. Está sozinho, ainda bem. Há inquietação por todos os lados; os rumores sobre a densidade do filme incomoda os espectadores, as senhoras em especial.
Começam os traillers e uma senhora retardatária entra na sala, segue até a última fileira. Não consegue entender, mas ela o encara - primeiro senta do seu lado esquerdo, depois, num súbito, levanta, pede licença e passando desajeitadamente por ele, senta na poltrona do seu lado direito. Nesse milêsimo de instante, enquanto ela o encarava, ele corou e desviou o olhar e o corpo para lhe dar passagem. Não entendeu a razão do movimento mas preferiu respeitá-lo.

La película se inicia.

Tudo se cala - nem bocas famintas nem tosses... Nada. Apenas a música dos créditos iniciais. Misteriosamente a mulher, naquele momento, deixou de existir. Só reinava ele e o silêncio. A maravilha do silêncio! Alí, nem narrativas, nem atuações, nem fotografia. Alí: silêncio.
Ele se bastava, como sempre, mas agora o mundo também se bastava (ou ao menos fingia muito bem).
O filme havia se mostrado mais denso que o imaginado e quando os créditos finais apareceram, todos continuaram imóveis. Menos ele. Levantou - antes que a fila nas escadas começasse a se formar - e seguiu até a saída, imune.
Voltou ao Café, agora lotado por causa do almoço. Sentou na única mesa vazia.
A mulher do balcão se aproximou, entregou o cardápio: "o filme foi bom?"; o mesmo gesto imperceptível de duas horas atrás, dessa vez olhando nos olhos - "um espresso, por favor. E sem açúcar".

Não houve mais conversação: ela acatou, em cinco minutos trouxe o pedido do cliente e voltou aos seus afazeres.
Apreciou o café vagarosamente.

Um comentário:

  1. 'espresso'
    tá sabida do mundo cafeínico hein, evinha?

    congratulações pela narrativa, bonita toda

    ResponderExcluir