Às 18h na Boa Vista, os sinos dobram anunciando que todos os ônibus estarão lotados e sintonizados na Recife FM. O som da Ave Maria das 18h se mescla com as sirenes das ambulâncias...
Às 18h na Boa Vista, o sino da igreja da Imperatriz dobra anunciando o fim do expediente, a cerveja gelada no boteco à beira do esgoto e a última oportunidade de carregar o Passe Fácil.
Às 18h na Boa Vista, transeuntes correm para as paradas lotadas e pagantes correm nas esteiras de academias lotadas.
Às 18h o calor é insuportável na Boa Vista.
Às 18h na Boa Vista, um passante é vítima de um redemoinho de sacolas plásticas de supermercado com embalagens de pipoca.
Às 18h na Boa Vista, uma senhora vai comprar pão na loja de conveniência do posto de gasolina.
Às 18h na Boa Vista, uma mulher perde a bolsa para um cheira cola.
Às 18h na Boa Vista, artistas fazem perfomances desconexas.
Às 18h na Boa Vista, um homem joga uma embalagem de pipoca pela janela de um CDU/Várzea lotado imitando o senhor do banco da frente.
Às 18h na Boa Vista, os circulantes aproveitam o engarrafamento para vender pipoca e água pelas janelas dos ônibus.
Às 18h um passante, correndo para chegar na academia, atravessa a avenida sem perceber o sinal amarelo e é atropelado por um CDU/Várzea lotado. Uma estagiária voltando do Passe Fácil liga para o 192. O trânsito pára. Um cheira cola corre no sentido contrário ao fluxo. Os ônibus andam cinquenta metros o que impede um passageiro de pagar os cinquenta centavos da pipoca. Uma senhora dá o seu dinheiro do troco para um pedinte na calçada. Um performer deita no meio da avenida. Um CDU/Várzea vazio pára no meio da ponte, no final do engarrafamento. Uma mulher sem bolsa (mas bem vestida) pede dinheiro para completar a passagem na parada de ônibus. Um motorista muda a estação de rádio. Uma sacola plástica do bompreço é levada pelo vento ao encontro de uma embalagem de pipoca Veneza que acaba de ser dispensada pelo seu dono. Inicia então, às 18h10, a habitual dança espontânea dos plásticos. Sobem. Descem. Rodopiam. Embalagens de Mentos balançam timidamente, copos e garrafas de Prata do Vale se arrastam pela calçada, e aos poucos vão tomando as ruas. O vento dá o impulso e todos saltam. Transeuntes dispersos cruzam o centro do espetáculo sendo forçados a participar do balé. Plásticos se misturam com as saias das senhoras, com a poeira, com os fios dos cabelos dos performers, com os espirros dos alérgicos, as embalagens de Karintó se enroscam nas pernas descobertas dos adolescentes...
Às 19h, na Boa Vista, das paradas lotadas, trabalhadores, alérgicos, pedintes, bêbados, acidentados e estagiários ouvem o eco dos rádios anunciando o "Voz do Brasil".